A Fenomenologia da Imortalidade

Death of an Orphan, 1884 — Stanisław Grocholski (Polish, 1858–1932)
Morrer é o que nos caracteriza e a morte é significativa para todas as instâncias da vida. Na Fenomenologia estuda-se a essência daquilo que se manifesta nos sujeitos a partir deles próprios, isto é, da expressão mais pura de suas singularidades reais, das vivências, compreensões e sentidos. Por meio da Fenomenologia, aplicada na Psicologia e revelada pelas linhas Existenciais da Filosofia, o ser que somos é foco de estudo a partir de seu existir significativo, tendo o objetivo de desvelar sua estrutura essencial, ou seja, para cada indivíduo a morte é experienciada como um fenômeno a partir de suas próprias manifestações enquanto ser individual, embora esta experiência esteja em dinâmico vínculo com o que o mundo em si, a sociedade, expressa em suas compreensões coletivas — a intersubjetividade também traz a subjetividade à luz de sua existência.
Discorrer sobre a Fenomenologia é sempre um ofício árduo, isso porque o seu método é enxergar com transparência genuína o ser que se revela em construção ser-mundo diariamente. Não há como mensurar e categorizar a experiência humana, nossa consciência é fundamentada em vivências reais imediatas, construídas, significadas, expandidas, inexploradas — somos a límpida revelação de nós mesmos; a Fenomenologia quer extrair a essência imutável dessa revelação. Deste modo, podemos afirmar que a Fenomenologia da morte é o estudo da essência imutável que reside em todas as expressões humanas em suas singularidades relatadas e vividas a respeito do morrer.
Sob as perspectivas atuais, notamos uma brusca mudança social onde a busca pela imortalidade é fulgurante e a morte é, cada vez mais, negligenciada — o fechar de olhos para o fim tendo o amanhecer sempre ao alcance das perspectivas. Naturalmente, com o avanço tecnológico, viver mais é uma realidade um pouco menos distante do que vinte e quatro anos atrás; podemos compreender, no entanto, que a temporalidade, ainda que prolongada, não pode ser extinta, pois, em si mesma, ela é o viver da forma que este se manifesta. Alcancemos a morte do morrer, continuaremos a existir no tempo. O tempo é uma vertente da morte e não há como parar o tempo.
Evidente que, como mencionado, a vivência da morte é única para cada humano e não investigo neste artigo relatos específicos sobre o assunto, mas discorro em reflexão sobre o que vem de encontro à minha consciência nos tempos atuais, busco, assim, a partir do que enxergo, extrair uma essência imutável de compreensão. Eis algumas pertinentes questões: Uma sociedade sedenta pela vida, poderia ser capaz de morrer? O tempo poderia ser a nova morte? Ou a finitude, ressignificada à imortalidade, caracterizar-se-ia pelo medo, o tédio e a angústia? Em resposta, a morte em si, como essência do fenômeno humano, constitui-se por todos os aspectos da finitude do ser, isto é, há morte no tédio, na angústia, no medo e no tempo — ser imortal, se podemos imaginar, não é o que fará desaparecer a morte.
Portanto, a escolha individual de negar ou aceitar o que a morte é em toda a sua significação, não poderá deixar de existir enquanto parte essencial do ser; somos para a morte mais do que somos para vida, sua substância integra todos os momentos e, portanto, nos faz — ontologicamente — para-a-morte. Envoltos à uma possível imortalidade, estaremos prostrados a um tempo eterno para a realização manifesta do que somos através de escolhas, mas não haveria a finitude enquanto impulsionadora desta disposição à escolha — o nos leva a deduzir que o tédio e a angústia tomariam esse papel. Teríamos todo o tempo disponível, e o quão angustiante isso poderia ser? Cabe, neste ponto, reforçar o aspecto indissociável do ser humano em relação à totalidade de sua realidade, desde suas manifestações subjetivas, à sua consciência direcionada e construída no mundo e com os outros — o que novamente revela a impossibilidade da morte deixar de ser a essência do ser, dado que sua ausência ainda seria um gatilho para a autenticidade do ser, isto é, para trazer ao ser uma “luz” de compreensão sobre si mesmo, levando-o à ação que corresponde, especificamente, na ação de existir.
Diante disso, a afirmação que traz o resumo de toda a compreensão discorrida é: mesmo na imortalidade, morreremos. A morte não pode ser encurtada ao morrer em si, pois sua significação está atrelada ao sentido de tudo o que o ser experiencia. A escolha singular de cada indivíduo os levara ou não aos sentidos da morte, mas os sentidos da morte, mesmo na imortalidade humana, sempre estarão presentes como estímulos essenciais para a realização do fenômeno do ser em seu mais puro desvelar-se a si.
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e criadora de Ars OAN mor — para apreciadores de sua literatura intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. Ars OAN mor é o pertencente recôndito de Sahra e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
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